Wood's Circus

Relembrando a primeira mensagem :


Estava aguardando meu momento de apresentação dando a ultima volta pelo exterior do circo, verificando se tudo estava no seu devido lugar antes de entrar e ir em direção as grandes cabanas que serviam de quartos para acampamento. A maioria dos que iriam se apresentar hoje estavam correndo de um lado para o outro, praticando alongamentos, testando truques de magica e colocando coelhos na cartola, desejando boa sorte uns aos outros para termos uma boa apresentação, tradição da companhia a qual apenas respondia com um " você também " a aqueles que se direcionavam para mim, enquanto tentava passar despercebido por ali apenas para buscar a caixa onde Hiss, a minha maior cobra, estava, na minha cabana a qual ficava mais afastada das outras.


Entro ali, buscando Hiss no seu viveiro que dividia com outras espécies menores, a colocando em uma caixa onde parecia menor do que realmente era, pelo bem da apresentação, Hiss não gostava de ficar ali, mas sabia que deveria.

Como eu era o segundo a se apresentar, logo após o " homem mais forte do mundo", um titulo exagerado para um ex-presidiario com incríveis dois metros de altura e com músculos do tamanho de uma criança, me direcionei com a caixa para a entrada de funcionários do circo e fiquei esperando na escotilha que escondia os que que iriam se apresentar dos que apenas iam oferecer assistência hoje, logo, apenas abro um pouco a cortina para dar uma olhada na plateia, estava cheio hoje e o anfitrião estava falando mais alto que nunca, o que me incomodava um pouco, mas, apenas tento ignorar, sentindo o calor das apresentações e tirando o casaco e o capuz a qual vestia, ficando apenas com a minha comum camisa regada preta e evidenciando as faixas, a qual Hiss já estava acostumada a ignorar.

Quando ouço o anfitrião chamando pelo " encantador de cobras-venenosas " não consigo não revirar os olhos, Hiss não era venenosa, obvio que uma ou outra era peçonhenta, mas não era o caso daquela na caixa.

Apenas entro no palco dando tchauzinho para a plateia, tendo a luz diminuída para causar mais impacto, alem de que eu sempre deixava claro que não gostava de luzes fortes em cima de mim, logo parando próximo a uma mesa e abrindo a caixa de maneira lenta, causando impacto a plateia que havia ficado em silencio para ouvir apenas o estralar da caixa abrindo, logo revelando a grande serpente saindo dali de dentro, espécime que faz todos segurarem seus pequenos gritos quando se embola em meu braço com rapidez, depois pescoço e por fim ficando apoiada em meu outro braço, enquanto a sentia sibilar farejando o ar e gelar seu corpo ainda mais, o que não era agradável mas já estava acostumado com suas peles frias, porem, ela estava querendo caçar essa noite.

A faço prestar atenção em mim, a trocando de mão e a impedindo de farejar seja o que havia pensado que encontrou, ela já havia comido essa semana e não deveria procurar ratos vadios, logo o anfitrião, exagerando a situação para o publico, pedia a um bravo voluntario para se aproximar.

Depois da apresentação apenas sigo para a tenda onde vejo a mala de viagem escura, provavelmente de Eli, realmente era pouca coisa considerando que não era uma bagagem grande, por hora, apenas ignoro e sigo para a arara de roupas, buscando uma calça de moletom e uma camiseta qualquer de manga curta por estar calor, indo em direção ao trailer dos banheiros e tomando banho de maneira tranquila ali antes de todos já que odiava as filas que ficavam para o banheiro.

Finalmente limpo e vestido, ainda com os cabelos soltos para secarem sem marcar, sigo até a tenda me jogando na cama e fechando os olhos com o braço sobre eles, em silencio, apenas ouvindo os sons do ambiente e as cobras sibilarem até ouvir Eli entrar e falar, animado, me elogiando, logo sentindo minhas orelhas quentes ao ver-lo como realmente estava animado, sorrindo largo e feliz, logo se sentando e tirando o tecido de seu rosto e os sapatos, sentado ali em baixo, sorrindo feliz ao se virar para mim.

Ele parecia muito contente, como uma criança, o que me deixava com o coração batendo forte por estar feliz por ter gostado, era a primeira vez que me elogiavam daquele jeito e eu me sentia bem.

- Obrigado .. -

Apenas falo, sem muito jeito e me sentando na cama porque estava com o rosto muito perto, percebendo que o clima estava vergonhoso para mim que não lidava bem com elogios, o encarando sem jeito enquanto observava novamente seu rosto agora mais descoberto, seus cabelos curtos e seu rosto fino, realmente combinava com seu jeito de ser.

Quando percebo que estava encarando demais, apenas pulo da cama, calçando os sapatos para sair dali e me acalmar um pouco, odiava elogios, sempre ficava com as orelhas queimando por eles e preferia sempre só estar estável sem eles.

- Eu vou buscar algo para comer, trarei para você -

Digo, sem dar tempo de respostas e saindo do local, indo em direção a cozinha, dando dois tapas no rosto com as mãos para recuperar o foco e logo entrando ali onde o cozinheiro estava preparando as coisas para a refeição de todos e mesmo que o incomodasse perguntarem da comida antes do horário, ele apenas me entrega o que pedi, jantar para os dois, o que lhe surpreende por não esperar um prato duplo, até me chegando a perguntar que estava com "alguém" coisa que apenas nego rápido, porque nunca traria alguém assim para a tenda, mesmo que tivesse pessoas para transar esporadicamente, sempre fazia isso fora daqui.

Volto para tenda com os dois pratos com montanhas de comida de pure de batatas, carne de carneiro ensopada e pão, todas as comidas aqui tinham muito carboidrato e imagino que aquela quantidade de comida seria demais para o tipo de corpo dele, mas, qualquer coisa eu poderia comer o que deixasse já que o cozinheiro odiava receber pratos cheios de volta, para ele era uma ofensa sem igual, mas, não era dificil comer tudo já que sua comida era sempre muito boa.

Entro na tenda, o vendo ali ainda sentado, por curiosidade me deixando feliz no fundo por ter alguem ali e não precisar comer sozinho como sempre.

Lhe ofereço a comida, logo trazendo o puff para sua frente e me sentando nele, colocando o prato sobre meu colo para começar a comer, prendendo o cabelo.

Percebo que meu excesso de animação provavelmente o deixou desconfortável então apenas o observo sair apresado da tenda, me deixando sozinho com Brooke que ri baixinho enquanto se acomoda aonde estava.

— Precisa aprender a controlar essa língua.

— Eu sei...

Suspiro de maneira melancólica enquanto olho para meu próprio colo. Brooke estava certo, eu não sabia distinguir a hora de falar e a hora de calar a boca, foi isso que a acabou com parte da minha visão, mas eu queria elogiar Naib, ele tinha se saído tão bem que eu não conseguiria apenas entrar e fingir que nada aconteceu, mas ao tempo tempo, deveria ter notado que ele é tímido.

Passados alguns segundos e ele estava de volta me entregando um prato de comida que parecia ótimo, e só agora percebi que estava com fome.

— Obrigado.

O agradeço de forma simpática, apoiando o prato em meu colo enquanto começava a comer, fazendo uma expressão satisfeita na primeira garfada. Era bom e eu teria que elogiar o cozinheiro depois por isso.

— Ei, Naib, sinto muito se te deixei desconfortável agora a pouco.

Peço desculpas parando de comer e o olhando meio sem jeito. Queria me dar bem com ele, afinal, além de dividirmos a tenda por um tempo eu simpatizava com ele, me parecia uma ótima pessoa que eu gostaria de ter por perto.

— Eu costumo falar demais as vezes, mas se isso te incomodar pode apenas me ignorar e eu percebo que passei dos limites, não tem problema.

Paro de falar quando percebo que estava fazendo exatamente aquilo e então volto a comer tranquilamente.

Apenas estava comendo em silencio, pensando no que poderíamos conversar já que era péssimo nisso mas queria tentar algo porque sabia que o ambiente havia ficado pior depois que sai do nada por ter ficado envergonhado com o meu primeiro elogio por algo que eu gostava de fazer mesmo não sendo o melhor, quando sou pego de surpresa por ele pedindo desculpas por ser assim, algo que eu achava tão admirável, me fazendo se sentir culpado por deixa-lo triste, logo sentindo novamente minhas orelhas esquentarem, mas agora de incomodo, não queria que parasse, ele era uma boa pessoa, uma pessoa interessante como poucos conseguiam ser e que eu estava sendo novamente rude como sempre me julgavam, mais alguém a qual eu ia afastar ? não queria isso.

Me levanto do Puff, tirando os coturnos e os deixando pelo tapete, me aproximando da sua cama e me sentando nela, ao seu lado, sem falar nada, apenas encostando minhas costas na lateral da minha cama, sem encosta-lo mas bem proximos, voltando a comer, engolindo aquela comida que era muito boa ao meu paladar e podia perceber isso até estando com fome, percebendo que comia muito rápido se comparássemos nossos pratos, já que eu já passava da metade em pouco tempo, manias de quem sempre teve que comer rápido.

- Eu não sei continuar conversas, mas gosto quando fala comigo ... -

Continuo comendo, logo o olhando um pouco, sem virar muito o rosto mas virando o suficiente para ter uma visão sua e de Brooke, que parecia me encarar no seu colo prestando atenção na nossa conversa, o que me deixava incomodado pois estava sendo julgado por uma coruja mas apenas ignoro sua presença ali como sempre tentava fazer, sempre que o olhava muito parecia querer minha garganta.

- você não é um incomodo -

Queria deixar isso claro a ele que sempre parecia ter um jeito de quem já ouviu muito do contrario por sempre estar pedindo desculpas por tudo, eu era péssimo em conversas, mas, gostava da sua companhia e iriamos passar um bom tempo juntos, não queria afasta-lo, não agora que tinha alguém para me aproximar novamente, alguém para dividir o alojamento e conviver como uma pessoa normal, alguém que meus instintos falavam que parecia valer a pena.

- Então converse comigo o quanto quiser, eu sou posso ser um bom ... ouvinte. -

Eu sentia minhas orelhas esquentarem, agora de vergonha por ter parecido tão carente de atenção, talvez eu fosse ? talvez, mas nunca achei que precisaria ter alguem para conversar, nem alguem que quisesse conversar com uma parede sem qualidades sociais como eu.

O observo se levantar de onde estava e vir se sentar ao meu lado, sentindo seu ombro encostando levemente no meu quando vez ou outra alguém se movia um pouco.

Ouço tudo o que me diz explicando que apenas não era bom com conversas, me fazendo pensar que eu devia ter pensado nisso, não queria fazê-lo se sentir culpado, mas, escutar que eu não era um incômodo me deixou realmente feliz. Me viro um pouco em sua direção com um sorriso nos lábios, mas dessa vez, um sorriso mais suave e não tão animado como costumava, mas não menos significativo.

— Nesse caso, não se preocupe, eu vou continuar conversando com você.

Minha voz também agora saía mais tranquila enquanto virava um pouco a cabeça em sua direção. Talvez não fôssemos tão diferentes assim, talvez fôssemos só pessoas solitárias procurando alguma companhia.

Fico um pouco em silêncio enquanto terminava de comer para não falar de boca cheia e assim que termino, percebendo que tinha demorado bem mais que Naib, Brooke se agita em meu colo.

— Vou caçar o que comer, volto mais tarde, não ‘to afim de ficar aqui presenciando isso.

Com isso ele sai voando tenda a fora me deixando agora no escuro, mas não me preocupava muito com aquilo de qualquer forma.

— Então, por que não me explica como as coisas funcionam por aqui, tipo rotina, comida, banho, essas coisas...

Eu estava de fato curioso para saber aquilo, mas em partes eu apenas queria fazê-lo falar um pouquinho mais sobre algo que ele sabia e provavelmente não o deixaria desconfortável, na tentativa de ajudá-lo. Quem sabe essa dificuldade com comunicação não fosse algo que eu poderia ajudá-lo a trabalhar?

Tinha terminado de comer, aliviado porque ele tinha falado aquilo e agora percebendo que talvez tenha tudo ficado bem novamente, bem, eu não sei, não era bom de ler os sinais além de que eu tinha consciência de que era uma pessoa entediante, mas ele tinha demonstrado estar tudo bem sorrindo, então, por hora, vou me convencer disso também.

Termino de comer, apenas ficando ali curtindo o silencio enquanto o esperaca terminar para que pudesse levar ambos os pratos para a cozinha, vejo Brooke sair sem preocupar Eli, coisa que parecia ser comum para ele já que nem movimentos bruscos fez, provavelmente tinha chegado o momento de comer ? Não sei dizer.

- Não sei se posso chamar algo aqui dentro de rotina, mas, tomar banho antes de todos pela manhã sempre é a melhor opção, um dos trailers funciona como uma sala de banho, com chuveiros e banheiro, é sempre bom acordar cedo para não precisar esperar do lado de fora -

Tambem tinha o fato de que eu ficava incomodado em tomar banho com outra pessoa, mas, não queria falar sobre aquilo com ele, logo, dobro uma das pernas e apoio o braço nela, ficando relaxado ali já que não deveria ter medo de alguem como ele, alem de que o fato da coruja ter ido embora aliviou o ambiente consideravelmente levando o fato que ela adorava me encara.

- E nós temos três refeições, café da manha, almoço e janta, as seis, ao meio dia e as dez e meia da noite, depois que as apresentações acabam, mas você sempre pode pedir algo na cozinha de tiver fome em qualquer horario, o cozinheiro é narcisista então você pode conseguir qualquer coisa dele com meia dúzia de elogios -

Comento, de forma tranquila agora o olhando, apoiando minha mão no rosto enquanto o cotovelo ainda continuava em meu joelho, levando minha atenção a ele e o encarando em silencio por alguns segundos antes de comecar a falar novamente.

- Amanha eu irei te ajudar a preparar seu numero de apresentação, então pense em algo antes de dormir -

A questão do banho tinha me deixado levemente apreensivo. Eu não me sentia nada confortável com as pessoas vendo meu corpo, principalmente minhas costas. Se perguntassem sobre a marca eu não conseguiria explicar. O que me tranquiliza era saber que existia um horário mais tranquilo.

Volto a ficar mais descontraído e tranquilo com o que diz sobre o cozinheiro, rindo um pouco. Eu não costumo comer muito, mas com certeza o elogiaria, fazia parte da minha natureza.

Eu sentia que ele estava me olhando então apenas continuo sorrindo a ele quando diz que me ajudaria amanhã. Eu não tinha ideia do que faria, nunca fiz nada parecido, então ter a ajuda de alguém que já tinha experiência seria ótimo.

— Eu tenho problemas para dormir então com certeza terei bastante tempo para pensar.

Principalmente por ser em um lugar novo eu não sabia se conseguiria dormir essa madrugada, principalmente se Brooke demorasse para voltar, mas isso já se tornou normal para mim então não me preocupa.

- hm -

Respondo, de maneira simples seu comentário vendo como tinha ficado feliz com o fato de que o ajudaria com isso, realmente parecia super natural para ele aquilo de não dormir, algo que eu tinha e também sabia que era pessimo, mas, fico pensando um tempo se deveria perguntar, apenas desistindo algumas vezes e ficando calado por um momento percebendo que a conversa estava morrendo, coisa a qual sempre fui acostumado a gostar disso, mas, queria algo diferente, queria escutar o seu porquê.

- Por quê ? desculpa, se não quiser falar, não é algo que eu irei te forçar a falar -

Havia me sentido culpado assim que pergunto o motivo porque sempre me sentia invadindo seu espaço pessoal como sabia que não era para ser feito, sei que era dificil para todos falar de algo que tirava o próprio sono, assim como era dificil para mim falar do que me tirava o sono, mas, eu tinha boas intensões.

- Nós temos uma feiticeira voodoo no circo ... ela sabe muito sobre todos por causa das suas entidades ... se você quiser, eu não imagino que ela cobraria de um membro do circo para ajudar -

Eu percebia sua curiosidade sobre muita coisa que eu dizia, e estava começando a achar bonitinha a forma como ele sempre parecia se desesperar e se arrepender de perguntar o que lhe vinha em mente, coisa que de fato nunca me incomodou.

— Está tudo bem, não me importo em responder, você pode me perguntar as coisas quando estiver curioso.

O asseguro antes de pensar um pouquinho no que tinha me perguntado. Fazia tanto tempo que eu vivia dessa forma que era difícil me lembrar do que exatamente ocasionou a insônia.

— Por mais de dez anos eu tive medo de dormir, então eu acho que meu corpo se acostumou com isso.

Até hoje eu me lembro do quão aterrorizado eu ficava quando estava sozinho no meu quarto, de como eu temia pregar meus olhos e alguma coisa acontecer enquanto eu dormia. Aquele medo me atormentou por tanto tempo que continua comigo até hoje.

— Talvez eu procure por ela depois, obrigado.

Eu não sei se chegaria a incomodar alguém com esse problema que já me acompanha há tanto tempo e já faz parte de mim, mas era gentil da parte dele tentar me ajudar.

— Se quiser perguntar mais coisa fique a vontade, não precisa ter receio.

Vejo que isso realmente era algo profundo nele, algo que tinha acontecido a dez anos atrás então? Realmente era um bom tempo de trauma para que estivesse enraizado nele, o que não me surpreendia, ele disse que tinha fugido do templo em que servia, então provavelmente tenha sido algo que aconteceu lá? Provavelmente.

O ouço falar para não ter receio de fazer perguntas, o que me faz rir um pouco porque até mesmo sendo cego ele havia notado isso, então, logo escondo os labios com as costas da mão como sempre costumava a fazer por reflexo, mesmo que fosse cego, acho que já havia se tornado uma mania.

- Eu deveria calar a boca, mas você me parece mais interessante que a maioria daqui -

Falo, ainda sorrindo estranho e escondendo os labios, logo o vendo sorrir mais uma vez o que havia feito o ambiente ficar leve novamente, apenas estico minhas pernas ali, encarando as cobras que se movimentavam no viveiro delas, me lembrando de algo que eu acho que poderia conversar com ele, ficando um pouco indiferente, ele estava contando coisas sobre ele, então, eu deveria contar algo sobre mim, certo ?

- Não gosto de sons de fortes - falo, movendo meus pés ali, os encarando um pouco - Odeio trovões por causa disso, nunca consigo dormir quando chove -

Falo, de maneira tranquila novamente, acho que a presença dele ali era tranquila e era de maneira estranha, contagiante.

- Como era o templo que servia ? Todos usavam esses vestidos ? -

Sorrio um pouco com a obvia provocação, esbarrando meu ombro no dele de maneira leve apenas para demonstrar que era uma brincadeira, afinal, já tinha deixado claro que achava as vestes dele algo normal e ate bonito se fosse bem admirar-las.

Ele me acha interessante? Aquilo não era algo que eu esperava, nunca imaginei que escutaria alguma coisa como aquela e o comentário simples me deixa levemente sem graça, mas estava feliz lá no fundo.

Me pegando de surpresa novamente, ele comenta algo sobre si mesmo, o que de novo, eu não esperava, mas também tinha me deixado igualmente feliz. Isso significava que ele se sentia ao menos confortável suficiente para se abrir minimamente? Gostava daquilo, queria saber mais sobre ele.

— Eu acho que vai ser bom então, nós dividirmos a tenda, talvez com companhia seja mais fácil para que a gente consiga dormir, bom, pelo menos para mim vai ser.

Digo a ele em tom gentil. Eu estava curioso, queria saber o motivo daquele trauma, mas não perguntaria, pois não queria correr o risco de fazê-lo reviver um trauma. Queria fazê-lo se sentir bem e confortável.

— E caso você fique com medo pode segurar minha mão.

Falo em tom brincalhão para descontrair um pouco o clima e ajudar ele a evitar que pensasse em alguma coisa que possivelmente o deixaria mal.

Escuto então sua provocação e o empurro um pouco de volta da mesma forma, rindo de leve.

— Não como as minhas, eu era o único, mas sim. — respondi pensando no que mais poderia contar a ele sem o assustar — Lá era cheio de regras rígidas e informações sigilosas, mas eu te garanto de que nada do que acontecia lá dentro era saudável, as pessoas eram doentias.

Não poderia contar da parte dos rituais e dos sacrifícios, isso não era algo fácil de dizer e tenho certeza que nada normal.

Dou risada com seu comentário, rindo um pouco de seu comentário junto com ele, de maneira descontraída e passando a mão para arrumar meus cabelos, já que algumas mechas já estravam em meu campo de visão por ter me movido para vê-lo melhor.

- É, talvez -

Ouço contar sobre a seita/templo em que vivia antes, com atenção, percebendo que era um assunto que o assustava tanto quanto a guerra me assustava já que sua expressão havia mudado, logo dobro um dos joelhos para esticar minha mão por cima do meu joelho de volta, numa posição relaxada e jogada.

- Você não se encaixa nesse tipo de descrição, não se preocupe -

Falava de maneira tranquila, sem olha-lo muito porque para mim aquilo era obvio, ele não parecia se enquadrar naquela descrição, " rígido, secreto e doentio ", mesmo que eu o conhecesse a pouco tempo, eu raramente me enganava com as pessoas ou tinha esperanças nelas como tinha com ele, meus sentidos sempre eram aguçados para isso, talvez por eu já ter presenciado muito do mal e praticado muito dele, eu sei identificar quando uma pessoa não tem carater.

Logo, me levanto dali, buscando os pratos para levar para a cozinha, ficando na frente dele e agora podendo perceber como era diferente, mas eu já estava começando a me acostumar com tudo aquilo.

- Vou levar os pratos para a cozinha, pode desfazer suas malas amanha ou manter suas coisas nelas -

Com isso, deixo a tenda indo em direção ao trailer da cozinha, percebendo que estava razoavelmente feliz com aquela nova companhia, acho que fazia tempo em que eu não falava algo sobre mim para alguém e estranhamente me sentia confortável com isso.

O que ele tinha insinuado com aquilo? Talvez para o dormir melhor? Talvez para as mãos dadas? Aquilo tinha sido uma brincadeira, mas pensar que ele levou a sério tinha me deixado desconcertado, apenas aproveitando meu rosto parcialmente coberto para esconder aquilo.

Saber que eu não tinha nada a ver com aquelas pessoas era o que importava para mim. Eu preferiria morrer a me tornar um deles e como agradecimento a aquele quase elogio apenas continuo o sorriso nos lábios.

— Tudo bem, obrigado mais uma vez pela comida.

Eu queria ajudar com a louça, mas sem Brooke não conseguiria ir muito longe então apenas permaneço ali enquanto o escuto deixar a tenda.

Pego o tecido do capuz que tinha tirado, o dobrando para em seguida retirar as luvas e guardar tudo na mala. Eu não pretendo desfazê-la, provavelmente vai ser mais organizado deixar como está.

Com menos tecido agora, me deito virado em direção a porta como se estivesse olhando para ela. Agora que estava com o travesseiro de Naib próximo a meu rosto podia sentir o cheiro dele ali, de sabonete, o que acaba arrancando um sorrisinho meu. Talvez não fosse tão ruim assim ter aceitado o travesseiro, me fazia sentir menos sozinho, como se alguém estivesse comigo. Era idiota, mas bom.

Escuto o barulho dele entrando na tenda novamente e mantenho meu rosto naquela direção como se estivesse olhando para ele.

— Naib, obrigado por ter conversado comigo hoje e contado algo sobre você.

Digo em tom suave e um sorrisinho gentil contornando meus lábios.

— Espero que a gente se conheça melhor com o tempo, eu gosto muito de conversar com você.

Minha língua estava coçando para dizer algo como “Viu? Você consegue socializar!” mas aquilo provavelmente o deixaria constrangido mesmo que minha intenção fosse apenas o elogiar, então me contenho em simplesmente deixar claro que sua companhia me agradava.

Apenas levo os pratos até a cozinha onde o cozinheiro já lavava as ultimas peças de louça, me perguntando quem era o garoto novo a qual apenas respondo " Eli ", logo sumindo dali em silencio antes de ter que responder mais perguntas que não estava a fim agora.

Volto para a tenda, retirando os sapatos e observando que Eli estava abraçado com o travesseiro como quem abraça algo muito importante, quase como uma outra pessoa ali, o que me faz ficar um pouco desconcertado por parecer que era algo muito indefeso de sua parte estar assim, quase como uma criança pronta para dormir abraçada com seu bichinho de pelúcia favorito.

Estava feliz em ter ouvido que gostava de conversar comigo, algo que parecia ser impossível, "gostar de conversar comigo", estava acontecendo, talvez pudesse chama-lo de louco por isso, mas, queria ao menos por um momento pensar que realmente podia ser sociável, então, apenas o encaro de volta, ainda sentindo um pouco minhas orelhas queimarem por aquilo, mas sem me surpreender mais.

- Eu também espero -

Queria também que tivesse certeza daquilo, afinal, queria saber mais sobre ele e sobre toda aquela seita a qual parecia ter tanta dificuldade para falar, logo, sigo em direção ao lampião a querosene que deixava o ambiente iluminado, o apagando para que pudéssemos dormir no escuro, há uma certa época eu já havia sentido medo do escuro, mas, tinha mais medo de fortes clarões do que disso agora.

Logo, sigo em direção a cama a subindo, deitando ali e se virando para o lado em que estava no chão, sentindo um pouco dos meus cabelos caírem em meu rosto enquanto o observava naquele ambiente com pouca iluminação, ele realmente não parecia uma pessoa ruim, eu poderia confiar nele se quisesse.

- Boa noite -

Deixo apenas esse breve cumprimento escapar enquanto o observava abraçado ao travesseiro, quando mal percebo, estava tão cansado que apenas sinto meus olhos pesarem, caindo em sono profundo mais rápido do que achava que iria

— Boa noite.

Retribuo com um último sorrisinho antes de fechar meus olhos e me ajeitar melhor. Eu sabia que demoraria a adormecer, por isso, fico pensando no que tinha me sugerido, sobre como poderia ser a apresentação, até que adormecesse.

Acordo provavelmente no meio da madrugada quando sinto penas perto do meu rosto. Brooke estava de volta, mas, quando tendo enxergar através dos olhos dele apenas encontro o escuro completo.

— Brooke?

Pergunto baixinho. Talvez os olhos dele estivessem fechados porque está dormindo, o que não faz sentido porque é uma ave noturna.

— Sim?

Não, era o ambiente que estava completamente escuro. Assustado eu me sento rapidamente no colchão, em um único movimento, tentando desesperadamente enxergar alguma coisa antes que eu entrasse em pânico.

— Ah merda, o escuro.

Tento repetir a mim mesmo que estava tudo bem e que nada aconteceria comigo, mas então o pânico começa a crescer dentro de mim e meu fôlego a falhar. Os flashbacks então começam a passar por minha cabeça e eu me encolho ali sentado, sentindo meu peito subir e descer rapidamente enquanto dobrava minha pernas contra meu peito as abraçando.


Eu podia sentir a marca em minhas costas queimando e doendo como naquele dia, naquele quarto escuro quando ninguém me ajudou. Ninguém estava lá por mim, ninguém me salvou.

Levo minhas mãos até os lados da minha cabeça em desespero, tentando fazer aquilo parar, para então tentar com uma mão agarrar a marca em minhas costas.

”Isso dói.”

— Clark se acalma, não está naquele templo, não está com ele, não vão te machucar.

Sinto Brooke pousando sob meu joelho, mas não presto atenção ao que me diz, sinto que estou de volta àquele inferno.

Estava dormindo quando começo a ouvir alguns sons diferentes ali sons de choro e dor, o que me faz acordar em um pulo só, me acostumando logo com a escuridão não tão profunda da tenda rapidamente para perceber Eli sentado no seu colchão, todo encolhido e chorando razoavelmente alto enquanto tentava arranhar as proprias costas, eu sabia que aquilo parecia uma crise de panico porque hora ou outra tinha ataques parecidas com o que estava tendo, mas, não sabia o que havia o afetado para aquilo já que ele parecia que ia morrer com a respiração tão desregulada e de tanto tremer.

Vejo que Brooke estava no seu joelho, e apenas tento me aproximar para tentar entender o que estava acontecendo, ainda meio confuso e sonolento, olhando para Brooke e para Eli, quando vejo a coruja seguir em direção a mesinha, ignorando o viveiro de cobras que sabia que tinha medo e bicando o lampião, poderia ser medo do escuro ? Como Brooke podia saber como ajudar-lo ? Um cego com medo da escuridão, não era no minimo contraditório ?

Me sento proximo dele de novo depois de acender a luz novamente, vendo seu rosto bagunçado e choroso, eu sabia que falar não adiantaria nada, comigo não adiantava, então, apenas me afasto, deitando sua cabeça em meu colo e deixando minha mão em cima de seu ombro, para que se sentisse "abraçado" ali, não entendi porque havia ficado tão afetado ao ver-lo chorar, provavelmente porque encara Eli como um bichinho assustado ? Talvez.

Movo o polegar, fazendo carinho ali em seu ombro para tentar acalmar-lo, sem dizer uma palavra, já que mal conseguia imaginar que estava tentar dar-lo apoio emocional a essa hora da madrugada, quem dira formular uma frase.

Posso sentir Brooke me bicando e falando comigo, mas não consiga assimilar nada, era apenas como uma voz distante em meio aquelas lembranças e flashbacks.

De repente sinto que estava sendo deitado novamente, só que dessa vez no colo de alguém, que só poderia ser Naib. Eu não sei quanto tempo se passa ali, mas quando percebo já estava mais calmo, pelo menos ao ponto de conseguir sentir seu carinho em meu ombro e tomar coragem para voltar a enxergar por Brooke novamente, agora notando que a tenda estava iluminada.

Fico ali mais alguns minutos até que as lágrimas cessam e eu me sinto mais calmo, conseguindo raciocinar e perceber que tinha sido apenas uma crise.

— Sinto muito, te acordei.

Reúno as forças que tenho quando paro de tremer para me sentar de novo, olhando para ele e secando algumas lágrimas que conseguiram escorrer por debaixo da venda.

— É com isso que você está preocupado Clark?

Minhas mãos ainda estão trêmulas assim como meus lábios enquanto eu falo, e agora sentado em frente a ele me sentindo envergonhado pelo que tinha presenciado.

Quase havia dormido ali enquanto tentava acalmar-lo, estava fazendo tudo no automático por estar com sono e mal pude me sentir envergonhado com toda aquela aproximação repentina da parte dele, logo, quando mais calmo, o vejo enxugar as lagrimas e se sentar, pedindo desculpas por algo que não tinha culpa, o que me deixa confuso por um momento.

- Não se preocupe, eu tenho sono leve -

Tentava ao menos acalmar-lo enquanto via seus labios tremerem em meio ao ambiente com luzes mais equilibradas, ainda sentado ali, com um semblante calmo, olhando para ele e para Brooke que permanecia em cima dele.

- O Brooke me avisou sobre a luz, não sabia que tinha medo de escuro -

Estava tentando entender como aquilo funcionava, o Brooke saber sobre aquilo e como ele sabia que a luz estava acessa agora para ter se acalmado, já que estava de madrugada então falávamos mais baixo, alem de que eu ainda falava de forma mais rouca que o normal por estar com a garganta seca.

- Como sabia que a luz estava apagada ? -

Estava curioso para entender aquilo, mas alem disso, estava curioso para entende-lo e saber o que doia, já que ele repetia muitas vezes isso, porem, obviamente não seria algo para se perguntar hoje já que ele não me parecia bem.

Me levanto, buscando a jarra de agua e a servindo em um copo, me aproximando dele e a colocando em suas mãos trêmulas o ajudando a levar até os lábios, ele tinha chorado muito e mal conseguia firmar as mãos, não me surpreendia que não conseguisse fazer aqueles simples movimentos. Eu sei tratar de pessoas assim, afinal, eu também tinha meus momentos e sabia como tudo era tortuoso.

Não me surpreendia ter sido Brooke quem o avisou sobre a luz, afinal, ele me conhecia melhor do que ninguém, sabia de tudo o que passava em minha mente e minha alma e apesar de fingir estar sempre com raiva de mim, sei que se preocupava.

O que me deixava ainda incomodado era o fato de ter acordado Naib, ele já estava fazendo muito mais do que sua obrigação comigo, ele merecia ao menos uma noite tranquila de sono e eu tinha estragado aquilo.

— Obrigado.

Agradeço a água e sua ajuda enquanto pensava um pouco no que tinha me perguntado.

— Eu escutei quando Brooke voltou a tenda e se deitou comigo, então decidi ver pelos olhos dele que estava acordado e percebi que o quarto estava escuro, o que era incomum porque eu deveria estar enxergando, mas só encontrei a escuridão.

Explico tentando falar de um jeito que não ficasse tão confuso mesmo sabendo que era impossível.

— Sinto muito, não quis te acordar.

— Está tudo bem.

O asseguro enquanto acaricio as penas do topo de sua cabeça sentindo que ele parecia feliz com o carinho em meu colo, o que era raro, mas sabia que estava assustado e por isso estava carinhoso dessa forma.

— Eu não nasci cego Naib, quando eu perdi parte da minha visão foi extremamente difícil lidar com a escuridão porque nessa época eu já tinha o trauma, então eu tinha crise quase todos os dias, até que me acostumei com a venda, só que ficar em um lugar fechado no completo escuro ainda me assusta.

Sei que ainda há coisas sobre mim que ele não entende, e ficava ainda mais difícil de tentar explicar então talvez eu pudesse contar a ele algumas coisas.

— É ridículo, eu sei, alguém adulto com medo do escuro.

— Para de dizer coisas idiotas, não é culpa sua, qualquer um ficaria traumatizado se passasse pelo que você passou.

Eu sabia que Brooke estava certo, só de lembrar da origem daquele trauma eu já sentia um arrepio, mas isso não amenizava a forma como me sentia.

Depois de terminar de beber a água, repouso minhas mãos que seguravam o copo encima de minhas pernas, com a cabeça baixa e a voz triste.

Não queria que ele tivesse me visto dessa forma patética e nem mesmo tê-lo acordado. Eu me sinto cansado, mas duvido que conseguirei voltar a dormir.

Pelo jeito que ele falava esse negocio de " ver pela coruja " me parecia super mais literal agora, bem mais que um guia, ela podia ser pelos seus olhos ? pelo que me parece, a resposta era sim.

Tento não me surpreender muito já que até então tinha entendido que ver era como um guia, um cachorro, não como literalmente parte de si, mas, já convivia com pessoa no mesmo nível de estranheza e eu mesmo me sentia conectado com minhas cobras ... talvez por solidão ... mas isso não era algo a se pensar agora.

O vejo pedir desculpas por aquilo e apenas me afasto para colocar o copo na mesinha de novo, me aproximando dele novamente e me sentando em seu lado, sorrindo um pouco.

- Não é tão infantil quanto parece, eu já falei, eu tenho medo de trovões - sorrio, o olhando um pouco agora que parecia me ouvir - eu sei como são essas crises de perto, Eli, não tem porque se envergonhar delas -

Falava com um tom calmo, logo o observando por alguns instantes, vendo como estava visivelmente abalado, pelo que eu conheço agora, ele passaria a noite toda acordado e ficaria mal o proximo dia inteiro.

- Você não vai conseguir dormir, né ? -

Vejo sua resposta negativa, para logo olhar para cima da minha cama e puxar o cobertor dali, passando-o pelas minhas costas e cobrindo meus ombros já que eu estava de camisa regata e começava a sentir frio por estar sem as faixas, deslizando um pouco ali para que pudesse apoiar a cabeça em minha propria cama a qual usávamos como apoio para as costas, sorrindo de canto de rosto para ele.

- Então eu te farei companhia e não se preocupe, eu não vou deixar o lampião apagar novamente -

Talvez a gente seja ainda mais parecido do que eu tinha imaginado, o que em partes me deixa feliz em tê-lo conhecido, mas por outro lado sabia o quao sufocante e doloroso era ter um trauma, queria que ele não tivesse que passar por aquilo também.

Nego com a cabeça quando me pergunta sobre dormir, eu definitivamente não conseguiria pregar meus olhos tão cedo. Me surpreendo quando o vejo puxar a coberta, sem entender o motivo daquilo por um tempo até que ele explica.

— Não precisa! Sério!

Me assusto um pouco, virando meu tronco em sua direção. Eu já me sentia culpado o suficiente por tê-lo acordado e agora ele passaria a noite em claro por minha causa?

— Quero dizer, eu gosto muito da sua companhia, mas deve estar cansado do dia de hoje, precisa descansar, não precisa fazer isso.

Eu estava acostumado a passar noites em claro e não queria arrasta-lo comigo para esse buraco. Tento forçar um sorriso para convencê-lo de que deveria descanse enquanto subtamente me sinto envergonhado.

Ele estava certo, eu estava realmente cansado de hoje e ainda com sono por não ter dormido o suficiente, alem de estar praticamente no automático desde que acordei, logo, o encaro por alguns segundos para poder ver melhor se ainda tremia, mas, percebo que ele parecia envergonhado e agora que não usava capuz, podia perceber suas orelhas vermelhas, o que me faz se acomodar mais ali, sentado e com a cabeça no colchão, fechando os olhos.

- Não-

Respondo, de forma simples para que parasse de insistir naquilo como insistiu de maneira falha com o travesseiro, apenas mantendo os olhos fechado ali, sentindo meus olhos pesaram, sentindo que talvez eu pudesse dormir naquela posição facilmente se me mante-se em silencio.

- Pode se encostar em mim caso tenha sono, eu não me importo -

Aviso, logo voltando a ficar em silencio e me acomodando ali, provavelmente eu dormiria daquele jeito já que estava estranhamente confortavel, mas, ao menos ele não estaria sozinho na cama de baixo agora.

Eu já tinha percebido que tentar teimar e insistir com ele não resultaria em nada, acabaria como aquela discussão pelo travesseiro então apenas fico quieto aceitando sua decisão, por mais que eu não concordasse com ela.

— Obrigado.

Agradeço baixinho e com um sorriso pequeno nos lábios, acariciando Brooke em meu colo e tentando disfarçar o rubor que tinha tomado conta da minha expressão.

Fico em silêncio para ao menos deixá-lo descansar um pouco, ainda que nessa posição que me parecia tão desconfortável. Eu estava feliz em ter alguma companhia, mas não ficaria o segurando em nenhuma conversa, ele merecia descanso.

— Deveria tentar dormir também.

Ele estava certo, precisava de descanso também, mas ainda estava apavorado demais para aquilo então apenas me recuso, me mantendo ali sentado e pensativo enquanto torço para que as horas passem rápido.

Passado algum tempo percebo que Naib já tinha adormecido de novo e eu estava relutando muito para aquilo não acontecer, até que em um momento de distração de percebo que tinha deixado minha cabeça encostar no ombro dele que estava ao meu lado.

Antes mesmo que eu pudesse reagir e me levantar dali, sinto minhas pálpebras pesarem cada vez mais até que não se torne mais algo que eu consiga controlar, me rendendo a exaustão.

Logo havia caindo no sono e dormindo de maneira tranquila novamente ali, afinal, já tinha dormido de maneiras mais desconfortáveis que aquela então tudo estaria bem, desperto um pouco quando sinto algo se encostar no meu ombro já que tinha sono leve, percebendo que ele realmente tinha relaxado mais para dormir, então, apenas me ajeito melhor para que pudesse se encaixar direito ali, logo voltando a dormir e acordando apenas quando ouço alguns pássaros começarem a cantar, ainda com o ambiente escuro mas já amanhecendo, percebo Brooke dormindo no colo de Eli que ainda se encostava em mim de maneira preguiçosa e tranquila, dormindo em silencio e até mesmo tive a pequena impressão de que seu rosto continuava vermelho mesmo dormindo, fiquei por um tempo observando suas mãos próximas a coruja, percebendo como elas pareciam bem mais macias e longas que as minhas, que tinha algumas cicatrizes e eram bem ásperas, com certeza no templo ele não deveria fazer trabalhos pesados, já que aquelas mãos não eram de alguém criado com esforço físico, quando percebo o sol já estava começando a sair, o que indicava que eu teria que me apressar caso quisesse tomar banho antes de todo mundo.

- Eli ? -

O chamo, sem me mover para não assusta-lo, ainda observando seus jeito sonolento em que parecia mover os lábios, vendo Brooke abrir os olhos e me observar ali, era incrível que até Brooke parecia amassado e sonolento tendo dormido daquela forma

- Quero ir tomar banho -

Falava de maneira neutra, esperando para que me liberasse um pouco aqui já que não sabia se gostaria de tomar banho logo cedo, afinal, ele poderia dormir mais um pouco se quisesse.

Acordo quando escuto meu nome sendo chamado, não tendo certeza se tinha escutado mesmo ou se estava delirando, completamente confuso sobre onde estava e o que estava acontecendo, até que noto minha cabeça encostada a algo, ou melhor, alguém.

Assim que o escuto dizer que queria tomar banho, me afasto rapidamente dele em um movimento meio brusco por conta do constrangimento que estava sentindo ali. Eu tinha passado a madrugada daquela forma.

— Me desculpa.

Eu estava completamente envergonhado com aquela aproximação repentina e por ter dormido daquela forma. Brooke já estava acordado e o encarando, então uso de seus olhos para enxergar, notando que já havia amanhecido.

— Esmagou minhas penas tentando me abraçar.

O escuto reclamar enquanto pula para fora do meu colo, esticando as asas e as mexendo um pouco de uma maneira engraçadinha. Era no mínimo cômico como as coisas que ele dizia não se encaixavam em nada com seu corpinho fofo de coruja, me pergunto como ele deveria ser em sua forma humana.

Assim que Naib sai para tomar banho, me espreguiço esticando a coluna levemente dolorida pela posição, mas eu já havia dormido em lugares muito piores então não era tão ruim, na verdade foi até bem confortável.

— Ok, quais são os planos?

— Do que está falando?

— Então você planeja só passar nesse teste e viver com o circo felizes para sempre?

— Até onde pudermos, sim.

Deixaria para tomar banho quando fosse deitar então apenas abro a mala, buscando por uma túnica limpa e então me trocando, vestindo algo simples em tom de azul escuro.

— Então vai apenas ter uma vida tranquila? Não se lembra de seu objetivo?

Acabo suspirando enquanto termino de amarrar a venda, colocando as luvas.

— Claro que não, só que eu preciso que a visão se torne mais nítida para que eu possa ir atrás de alguma coisa, não adianta ficar apenas perambulando por aí sem nenhuma pista.

— Espero que saiba o que está fazendo, já disse que tenho um péssimo pressentimento sobre tudo isso.

— É apenas um pressentimento.

— Você sabe que não.

— Sabe de alguma coisa que eu não sei Brooke?

— Não, Clark. Só estou te alertando.

— Vai ficar tudo bem.

Não sabia se eu realmente tinha certeza daquilo e estava o assegurando ou se estava meramente desesperado e tentava me convencer daquilo, mas de qualquer forma eu sentia que as coisas seriam diferentes dessa vez.

Não tinha muita ideia do que fazer hoje então apenas espero por Naib enquanto ainda sentado no colchão continuo conversando tranquilamente com Brooke.

Assim que sou liberado, logo me levanto, me espreguiçando um pouco e seguindo para o cabideiro, vendo a coruja em seu colo sair pulando de maneira bonitinha e mexendo nas asinhas parecendo as organizar-las, o que era de certo modo fofo.

Amarro meus cabelos em um rabo de cavalo baixo e sigo para o banheiro, tomando o banho logo cedo para seguir limpo o resto do dia, me livrando da dor no ombro que sentia por ter dormido com ele ali em cima, mas, estranhamente aquilo não me incomodava, ter ajudado alguem como ele não era algo ruim.

Logo, vestido, volto para a tenda enquanto enfaixava meus braços com as tiras grossas, afinal, eu apenas dormia sem elas mas raramente passava um dia sem te-las comigo, alem de esconder minhas cicatrizes, elas me deixavam bem mais resistentes aos trabalhos braçais, então, era sempre agradavel para mim usar-las.

Enquanto me aproximo da tenda, vejo Eli conversando com a coruja de maneira descontraída, eu até poderia achar que era algum caso de loucura, mas, se ele poderia enchergar pela coruja e saber coisas comp quando estava claro ou quando e estava escuro, o que faltava para que pudessem se entender por palavras ? Com certeza pouca coisa.

Termino de guardar as coisas ali, buscando minhas roupas sujas e as colocando em um cesto pequeno, deixando em cima da cama, voltando minha atenção a ele que já estava vestido com uma roupa nova e bem coberto novamente, ele com certeza sofreria de calor com aquilo hoje.

- Vamos comer algo, depois você vai me ajudar com algumas coisas do circo -

Ensaiariamos sua apresentação pela tarde, de manhã tinhamos coisas para fazer em prol ao circo, então, apenas nos dirigimos para a cozinha, pego algumas frutas dali para ele que parecia feliz com elas, principalmente com os pêssegos, para mim apenas pego um pão qualquer com geleia, se eu não comesse algo cheio de carboidrato eu tinha certeza que morreria antes do almoço.

- Nós vamos ajudar as dançarinas do circo com a lavagem de roupas hoje, geralmente eu apenas levo cestos e baldes de um lado para o outro, mas, talvez elas te peguem para pendurar as roupas ... quem sabe até para lavar -

Digo, mordendo o pão e logo o engolindo, seguindo caminhando até me sentar no chão, em torno a fogueira apagada, aproveitando o silencio do amanhecer ali.

- Espero que sabia estender roupas -